Em 1985, iniciei uma viagem sem rumo pela estrada da música. Um quarto de século depois, o tanque ainda está cheio e o horizonte longe. Nessa estrada passei por inúmeros estilos musicais e fiz parte de bandas tanto inovadoras como caretas; umas obscuras e outras até muito conhecidas: Banda Fama, Regatta de Blanc, Undercovers, Oficina Blues, Cocina del Diablo, Another Blues Band, Soul Salad, Correio Aéreo, Unplugged, Viva Santana, BsB Disco Club, Salimon e Oduber Duo, Esfera, Le Club 80, Brasília All Star Blues Band, Orquestra Motown, Salimon e Trio Arquipélago e Wave Playground. Cada uma delas me proporcionou importantes experiências de vida, crescimento musical e grandes amigos.
Vim
morar em Brasília por uma mera casualidade do destino. Eu fazia cursinho em São
José do Rio Preto e havia decidido estudar jornalismo ou alguma coisa ligada à
comunicação. Nesse cursinho, apresentaram-me a possibilidade de prestar
vestibular na USP, na Escola Superior de Propaganda e Marketing, também em São
Paulo, e na UnB. Fiz nas três escolas. Mas quando vim para fazer o vestibular
em Brasília, no fim de 1983, fiquei doido com a cidade. Me lembro de ter saído
da Rodoferroviária e entrado na imensidão do Eixo Monumental. Ao contemplar
toda aquela amplidão, falei comigo: “É a minha cidade”. Com respeito à cidade
do rock, me lembro que, na volta para São Paulo, fui no mesmo ônibus do pessoal
da Plebe Rude, que ia em busca de shows. Via aquele pessoal com roupas e
cabelos diferentes e percebi que aquele era o tipo de vida que queria para mim.
Numa cidade que tinha uma coisa diferente. Ter vindo morar em Brasília foi
decisivo para eu virar músico, o que realmente aconteceu em 1985.
Participei
de umas 18 bandas de lá pra cá, mas certamente a que mais me marcou foi a Fama,
a primeira, porque surgiu naquele momento de efervescência do rock de Brasília,
quando agente achava que muita coisa era possível. Tínhamos aquela ilusão de
que o sucesso comercial viabilizaria todos os nossos projetos de vida.
Compúnhamos músicas, num som pós-Clash, com influência do funk
(norte-americano). Misturávamos tudo, porque também vivi a moda discoteca, o
movimento punk... Fazíamos uma música de protesto, mas para dançar, o pessoal
se acabava em nossos shows.
Nasci
em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Era skatista desde 1976, um
roqueiro perdido numa cidade eminentemente sertaneja. No ano de 1980, virei
“colegial” e fui estudar no Philadelpho Gouvêa Netto, uma escola técnica. Fazia
o primeiro ano de eletrônica e meu objetivo era fabricar robôs e
sintetizadores. La se abriu para mim o caminho da música. No horário de recreio,
muito animado, levávamos nossos gravadores K7 - aqueles tijolões - e ficávamos
intercambiando fitas, apresentando novas descobertas. Um querido amigo chamado
Edmilson nos trazia sempre novidades, dentre elas bandas como Boomtown Rats,
the Knack, the Vapors, OME dentre diversas outras. Nos anos seguintes, entrei
em um processo de preparação e realização de um intercâmbio cultural nos
Estados Unidos.
Lá,
a música eletrônica se impunha e, pela primeira vez, com Don’t You Want Me do
Human League, uma canção composta totalmente com sintetizadores chegou ao
primeiro lugar das paradas. Depois foi Tainted Love, do Soft Cell. Minha banda
favorita era Depeche Mode, apresentado pelo amigo belga Daniel David. O disco
de estréia, Speakand Spell, trazia rock, disco e outras propostas que não
saberia rotular naquele tempo, mas que batiam um bolão no meu walkman.
Naquele
tempo fui a shows do Queen, Elton John, Van Hallen, Rick Wakeman e até Black
Sabbath, mas as bandas eletrônicas ainda viviam em um circuito um tanto
restrito. Ainda naquela época, passei a ouvir jazz, começando pela beirada mais
pop. Comecei a gostar do gênero, a ponto de decorar todos os solos dos discos
Voyeur de David Sanborn e Winelight do
Grover Washington Jr.
Voltando
para Rio Preto, em 1983, estava disposto a montar uma banda a qualquer custo. Para
minha alegria, reencontrei o amigo Edmilson e descobri que ele havia aprendido
a tocar guitarra e capitaneava uma banda de punk rock chamada Dívida Externa.
Ele reclamou da safra de letras e, como sabia que eu me entendia poeta desde
pequeno, pediu algumas propostas. Fiquei animado por poder, pelo menos, andar
com aquela turma.
Em
1984, vim para Brasília estudar e participei do momento histórico em que as
bandas de rock locais começaram a obter contratos com as grandes gravadoras do
Rio. Meus amigos eram amigos de músicos e íamos a festinhas com som mecânico e
PAs improvisados, onde a gente dançava muito mesmo.
Eu
tinha que fazer parte daquilo de alguma maneira e comecei a marcar presença nos
ensaios da turma do Edmilson sempre que ia a Rio Preto, em feriados ou nas
férias. Levava minhas letras, mas o vocalista nunca aparecia, o que me
frustrava.
Junião
Espinha e Flávio De Matteis, dois grandes skatistas, eram baterista e baixista
da banda. Alcides “Neno” assumiu o teclado e Edmilson Ferrari comandava o grupo
com sua guitarra Berger, conhecida como "tatuzinho". Eu assumi o
vocal por falta de capacidade para outra função, além de contribuir com algumas
composições. Nascia o Fome de Viver,
que tinha como intenção ancorar em algum ponto entre o Clash e o Style Council.
Tudo
acontecia nos feriados e férias. Havíamos decidido montar a banda em dezembro
de 1984 e, no meio do ano seguinte já estávamos inscritos em um festival,
promovido pela FM local Onda Nova, em que acabamos amealhando o terceiro lugar.
O tempo foi passando e o assunto foi ficando sério, assim como as dificuldades
enfrentadas para mantermos a banda de pé.
O
primeiro show da banda em Rio Preto e minha primeira aparição em palco, em
1985, coincidiram com a presença de Paulo Cesar Cascão na cidade, por ocasião
de uma das edições do renomado Festival de Teatro Amador. Ronaldo, “Bolão” e
Natinho também estiveram conosco naquele momento importante e começaram a nos
instigar a radicar a banda em Brasília. Cascão capitaneava o Detrito Federal e
conhecia meio mundo no DF, o que significa acesso a mais do que a galera do
Plano Piloto, da famosa colina. Rapidamente, esquematizou um conjunto de
atividades que nos colocaria na rádio, nos shows de rua e na imprensa da
capital federal.
Comecei
a campanha com um aperto no peito, pois sabia que a mudança significaria um
racha na banda. Flávio não poderia se mudar com família e tudo para arriscar a
vida. Tinha emprego concursado. Neno não deixaria seu mundo riopretense,
inclusive porque tinha responsabilidades familiares. Mas eu acreditava muito no
nosso som.
Botei pilha até que Edmilson deixou o emprego de
bancário em Rio Preto, a querida mãe e a avó para vir para Brasília. E a barra
não era fácil por lá, pois levávamos pedradas dos sertanejos e dos metaleiros
por tocarmos funk e reggae.
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Fama: Hélio Franco, Ed Ferrari, José Armando, Resende, Gustavo Vasconcellos e Mário Salimon.
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(foto: Cesar Mendes)
Edmilson veio e, como sempre tive muitos amigos, cada qual ajudou como pode na chegada do amigo. Lembro-me que, em certa fase, ele tocava guitarra em um programa infantil. Com Henrique Hermeto, arranjavam e programavam a bateria, sendo que os dois se revezavam na guitarra e no baixo, enquanto convidados e crianças cantavam aquele repertório bastante interessante.
Com a intermediação de Cascão, fomos montando a banda por aqui e fazendo
público. O primeiro a embarcar foi José Armando
“Dedé” de Resende, um baixista de primeira categoria, sério o suficiente para
assumir o legado de Flávio. Dedé era um slapper também, mas ouvia muita
variedade e coloria suas levadas com que aprendia de música africana, caribenha
etc. Como minha parte do sacrifício pela vinda da banda, saí do apartamento que
dividia com meu amigo Marcial Barrionuevo, e no qual vivia muito
confortavelmente, para morar com Edmilson e outros dois chapas em uma
kitchenette de lascar, em uma das quadras mais agitadas da Asa Norte. Ali
mesmo, ensaiávamos com os precários meios de que dispúnhamos. Eu tinha uma
banda e ensaiava quase todo dia. A música era parte relevante de minha vida e
não algo que acontecia na televisão.
A 209 norte era, como disse, muito
movimentada. Além da padaria, do mercadinho, da sorveteria e de nem me lembro
quantos botecos, havia o Mistura Fina e o Bar do Divino. O primeiro, um reduto
jazzista da cidade e o outro um ponto de perdedores de todo tipo, mas de
propriedade de um tipo muito simpático, que dava nome ao recinto. Divino logo se
interessou pelos nossos projetos e fizemos uma simbiose. Ele cedia o
subterrâneo do bar para nossos ensaios de tarde, quando a cozinha estava
parada, e, à noite, tocávamos de graça para um público atônito de meia dúzia de
pinguços.
Mas isso foi mudando e, logo já
havíamos transformado o local em sucursal da faculdade de comunicação da UnB.
Incrível como eram simples e animadas aquelas noites. Havia muitos poetas no
grupo, vários músicos, fotógrafos e gente performática. Não me lembro de
qualquer problema naqueles poucos meses em que nos aboletamos por ali.
Foi
ainda naquele underground do Bar do Divino que fizemos uma audição tripla com o
guitarrista Henrique Hermeto, o percussionista Hélio Franco e o baterista
Gustavo Vasconcellos. Na verdade, acho que eles é que nos testaram, pois éramos
muito verdes naquele tempo. Henrique e Hélio vinham do racha da banda Obina
Shock, cheios de experiência profissional e o swing necessário para embasar
nossas composições. Gustavo tinha história com bandas de rock locais, dentre
elas SQS e Burguesia Decadente, tendo, de primeira, conseguido levar o bumbo de
Dance Floor, condição fundamental para entrar na banda.
Nessa
época, começamos a tocar em festas e eventos políticos da UnB, conquistando um
público cativo que nos seguia pelos bares da cidade. O primeiro show em
Brasília – com palco, PA e público grande, foi em 7 de julho de 1987, no
movimento pela Rádio UnB. Depois veio o I FLAAC (Festival Latino-americano de
Arte e Cultura).
A
imprensa local estava atenta às novidades sonoras e quis ouvir nosso som. Irlam
Rocha Lima levantou a lebre no Correio Braziliense, depois veio Rodrigo Leitão
que, não só falava da banda, mas com a banda, dando conselhos e nos
repreendendo pelo que achava errado em nosso comportamento. Celso Araújo
escrevia matérias inspiradas sobre a banda e nos deixava animados, pensando que
tínhamos mesmo algo a dizer se aquele cara tão interessante ligava para nossa
música.
O
radialista Tenisson Otoni teve papel importante na história do Fama, dando voz
e espaço radiofônico à banda em seus tempos de rádio Atlântida FM. Era uma
maravilha ouvir nosso som tocando no rádio, com aquele efeito todo especial
causado pela compressão e som morno dos hi-fis.
Começava
1988 e a banda tinha nome na cidade e era considerada uma revelação. Prometia
um futuro e era chamada para festas, saraus e shows ao ar livre em todas as
partes. O ano se iniciava com um convite para um especial na TV Nacional
e também shows em Belo Horizonte, onde tocamos para meia dúzia de gatos pintados
no Cabaré Mineiro, no mesmo palco em que pisaram Joe Pass e Milton Nascimento.
Fomos de ônibus, com dinheiro para uma refeição por dia. Mas íamos fazer shows
“fora” e aquilo poderia nos colocar em outras esferas. Estávamos animados.
Na esteira desse modesto sucesso, resolvemos gravar uma nova demo e tentar espaço em rádios de São Paulo e Rio. Era o estúdio do Andi ou nada. Esse cara sabia das coisas e tinha feito a vida de vários principiantes. Resolvemos gravar Dance Floor, Curva 88 e Decisão Funk, que representavam o lado mais dançante do Fama.
Rumamos,
eu, Edmilson e o amigo riopretense David, para o Rio de Janeiro, num pretenso
tour de force promocional. Pedro Ernesto, que era um cara cheio de conexões na
cidade, nos facilitou uma visita ao apartamento de Hermano Vianna, irmão do
Paralama Herbert. Foi um papo ótimo e ficamos cheios de esperança. Mas, no
final das contas, nada aconteceu. Não encontramos o Herbert, a Rádio Fluminense
nunca tocou nossa fita e só não foi pior porque viajar para o Rio era sempre
uma maravilha naquele tempo.
Havia
também o misto de bar, restaurante e casa de shows chamado Bom Demais e sua
dona, Cristina Roberto. O Bom Demais foi uma história à parte na vida da banda
Fama e das que vieram logo depois. Foi ali que fizemos o maior número de shows
da carreira curta e grossa de dois anos. Era ali que o povo dançava sem parar
ao som dos funks e dos raps que eu improvisava até a mão direita do Edmilson
cansar de subir e descer nos riffs, à moda de Nile Rodgers.
Ali
começamos junto com Cássia Eller, Rubi e Adriano Faquini. Ali vimos brigas com
cadeiras voando e sangue no chão, baculejos da policia e amantes se
encontrando, beijando-se nos cantos escuros do bar. Ali fiz o primeiro – e
talvez único, show numa segunda feira, no aniversário de 100 anos da abolição.
Cantamos Curva 88 para um público animado, casa lotada, numa noite memorável. Cristina
foi uma amiga da banda. Quando o dinheiro fluía bem, recebíamos um bom
pagamento. Quando a coisa apertava, a panqueca era grátis durante uma semana e
íamos almoçar por lá todos os dias.
No meio de 1988, fomos a São Paulo para dois shows que havíamos cavado, em um buraco chamado Espaço Alquimia e no teatro Mambembe. Em 29 de dezembro de 88, fizemos um show histórico no Aeroanta, em São Paulo. Casa lotada, muita gente de Rio Preto estava lá para nos ver. Foi uma festa. Tocamos repertório novo e levamos, pela primeira vez, tecladista. Como Hélio havia se retirado da banda, foi substituído pelo amigo Sérgio "Tida" Couto, que levou a esposa Claudinha Otero, com quem já havíamos gravado em estúdio. Também estava conosco, naquela ocasião, o saxofonista Alexandre "Maionese", que mandou muito bem, sobretudo em Dance Floor. Demos nosso recado e fomos embora, deixando isca para um próximo show em Sampa, em fevereiro, no SESC Pompéia. Dedé deixou a banda, alegando ter que se concentrar nos estudos. O casal Tida e Claudinha, a quem agradecemos muto pela força, também seguiu seu caminho próprio, de modo que voltamos a uma formação mais simples e a uma realidade mais dura.
Com a saída de Dedé, entrou na banda uma figura que teve grande importância na minha história de músico: o baixista Geraldo Horta. Geraldo e eu nos conhecemos nos palcos da cidade em um tempo em que a atividade musical era constante, subsidiada e prestigiada, tanto pelos policymakers como pelo público. Ele tocava muito bem o baixo e gostava de arranjar. Baixava em nossa kit tarde da noite cheio de ideias e nos mostrava onde estávamos errando. Ele queria muito ser parte do Fama, mas tínhamos o Dedé, com quem a coisa funcionava muito bem. Quando isso mudou, partimos para a colaboração com Geraldo, com quem as coisas seriam um pouco diferentes. Ele se esforçava para casar mais baixo e bateria e colava os bumbos com as linhas do baixo, gerando um ritmo forte. Também tinha um conhecimento da teoria musical muito superior ao nosso, sobretudo o meu, que era zero, de modo que também mexia nas harmonias e dava palpite na parte vocal.
A primeira tarefa de Geraldo foi encarar o show no SESC Pompéia, no qual dividiríamos a cena com dois iniciantes como nós: Ed Motta e Conexão Japeri, do Rio e Taíde e DJ Hum, prata da casa. Ed Mota era pouco conhecido, mas tinha contrato e pedigree, além de ser muito melhor do que nós em vários quesitos. A dupla de hip hop paulistana também prometia e ficamos felizes por ver que estávamos chegando a algum lugar de vulto. Mas, na verdade, estávamos era chegando ao fim, pois íamos nos deparar com a dura realidade do mercado: não basta ser bom para ter sucesso.
Em fevereiro de 1989, batemos para São Paulo com Hélio na percussão e Maionese no sax. Geraldo estava mais do que pronto e Edmilson conhecia sua parte de olhos fechados. O Fama arrebentou naquela noite, arrancando aplausos sinceros entre as músicas. O som estava ótimo, a banda se portou com desenvoltura no palco de quase 360 graus e o público ficou várias vezes de pé para aplaudir as composições próprias que tocamos, além de uma ou outra redenção a Chic, Sade Adou e Jorge Ben.
Nosso sonho era que alguém da imprensa estivesse ali para ver e registrar, e isso, de fato aconteceu. Não somente havia imprensa como era a Biz, a maior revista de música do Brasil. E ela desceu o cacete em nosso show, chamando-me de cantor de botequim e outras barbaridades do gênero. Minha raiva foi tanta que nunca mais fui capaz de me lembrar do nome do crítico.
Disseram-me que ficasse tranquilo, que a opinião dele não contava porque era "uma pessoa recalcada, eum insatisfeito com a vida", mas sofremos muito com aquilo. Todo nosso trabalho, o reconhecimento do público, os aplausos, resumidos a uma crítica insossa e grossa. Mas, como dizia, essa era a dura realidade da música.
Geraldo logo colocou suas conexões a serviço da banda e começamos a buscar outras possibilidades. Fomos fazer show no Gilberto Salomão, num tal de Bar Bacalhau, onde ficamos por um longa temporada. Ali comecei a ver aqua vida de música não era um mar de rosas. Para tocar sempre, o cachê baixava. E ficar a noite significava risco. Brigas, ofensas e sacanagens profissionais eram a base desse métier. Um dia, nesse bar, estava cantando quando um palhaço pegou o estande do microfone e o agitou, fazendo com que o metal batesse na minha boca, machucando meu lábio e lascando um dente. Também costumávamos ser ludibriados por pseudo empresários que nos prometiam mundo e fundos e viviam na aba da banda, bebendo e comendo, às custas de nossa energia de menino novo. Logo vimos como isso funcionava e demos um jeito de ser mais seletivos.
No final das contas, Gustavo e eu vimos que nós mesmos podíamos fazer o serviço mais ou menos que a cidade pedia de um produtor. Tínhamos um esquema até bastante profissional e imprensa nos elogiava pela qualidade do material que oferecíamos a eles. Mas o entusiasmo ia baixando e cada qual começava a repensar seu papel e suas expectativas com o fama.
A bomba final, o tiro de misericórdia, viria lá por julho na forma de uma das mais comuns práticas do mundo político, o nepotismo. Tendo feito boa presença no primeiro FLAAC, fizemos nossa inscrição na segunda edição e fomos selecionados para abrir o show dos Paralamas do Sucesso no Ginásio Nilson Nelson. Essa seria nossa grande cartada, o merecido reconhecimento por todo o esforço que vínhamos fazendo. Hebert já sabia de nossa existência pelo esforço do irmão Hermano e de nosso amigo de longa data Phelippe Seabra. Era tudo ou nada, make or break. Só que outro grupo vinha batalhando seu espaço no mercado e era liderado pelo filho da secretária de cultura. Um amigo jornalista me liga, muito chateado, e dá a notícia, que soa como uma sentença de morte: "vocês não vão mais abrir o show dos Paralamas. O Pierre conseguiu pôr a banda dele no lugar do Fama".
Depois disso, começamos a brigar o tempo todo. Eu comecei a pensar em ser mesmo jornalista e esquecer a música. Gustavo resolveu mudar para Campinas e Edmilson quis ir estudar no interior de São Paulo. Hélio era mais velho, casado e estava de saco cheio desse vai e vem. Nem quis ir ao show de despedida do Fama. Acho que o mesmo se passou com o Dedé, que aceitou, entretanto, fazer um último show com a banda.
O dia 8 de agosto de 1989 foi muito tranquilo. Tudo correu mais ou menos como previsto e o Fama subiu pela última vez ao palco, montado ao ar livre na Universidade de Brasília. A lua estava muito bonita e Edmilson fez um solo sentido em Dos Quadros. Dizo Dalmoro, colega do curso de jornalismo, veio comentar que ficara emocionado com aquele momento mágico. Dedé swingou o baixo o quanto pôde e eu me esforcei para ficar no tom.
O público dançou muito, como sempre acontecia nos shows do Fama. Final e ironicamente, havíamos conseguido aliciar um bom tecladista, o que fazia uma grande diferença em nosso som, Marquinhos Brito, hoje escudeiro de Ivan Lins, nos EUA. Preenchendo cada espaço com um Yamaha CP que estava por ali e um sintetizador, fez por nós uma concessão, um favor e, por isso, agradeço. Pelo menos em dois shows, tivemos tecladista.
Cada qual foi para seu canto mas, o que me parece ser mais importante, a amizade e o respeito, perduram até hoje. E sempre acho alguém que se lembre do Fama e pergunte: "você é aquele cara do chapéu?" também tem gente que me vê e diz "3,4", como nas chamadas de converção de uma das canções que tocávamos, chamada Ben Funk.
E mesmo nestes tempos modernos, dos weblogs, alguém como Marden Ferreira, que, para mim, é um dos melhores escritores de nossa geração, prestigia o Fama em seu site, lembrando de nós e daqueles tempos. Eu me sinto feliz de ter feito parte dessa história, de ter convivido com essas pessoas que lhes apresentei. Tive mais alegrias que tristezas com essa banda e, por isso, quis escrever este texto. Não vou esquecer a banda Fama e meus companheiros de palco entre 1985 e 1989.
Na sequência do Fama, engatei uma carreira bastante variada, em que a música foi dando lugar, no curso de quase um quarto de século, ao jornalismo, aos estudos e consultorias ligados ao mundo das organizações, bem como ao cinema, hoje uma atividade muito presente em minha vida. Nunca deixei de cantar e compor, mas hoje vivo a música de uma forma menos sonhadora e um pouco distante dos bares de outrora. Em anos recentes, estive envolvido no projeto Wave Playground, que vai se montando entre Brasília e Nova Iorque, em idas e vindas de aviões e bytes que conectam meus experimentos com os de meu amigo Paulo Laboissiere. Também estou compondo com meus amigos Marcelo Feijó, Kiko Peres e Fabrizio Michels, indo de música experimental eletrônica ao som disco, sem deixar de lado meu velho amigo rock and roll.
Sinto que estou ainda no meio de algo que vai longe. Meu encontro com esta capital de muitas artes e sons, equivocadamente reduzida a simples capital do rock, rendeu e ainda renderá muitos frutos.
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