“EU GOSTO DE ROCK. E POUCA COISA MAIS!”
Pelo que eu estou ciente, meus primeiros anos de vida foi num lugar
chamado Parque Industrial Mignone, a uns 35, 40 minutos de ônibus da capital
Brasília. Neste parque industrial, morávamos nas amplas instalações de uma
fábrica de ladrilhos falida - com área administrativa e galpão de produção numa
mesma construção - que meu pai transformou em residência. O amplo terreno da
fábrica virou área de hortaliças e criadouro de galinhas e porcos. Moramos lá
por um uns cinco anos, acho eu, pois meu primeiro ano escolar foi em
Taguatinga-DF, na Escola Classe Nº. 10.
As lembranças musicais mais antigas que tenho vêm das "festas"
semanais que meus três primos, jovens então, faziam em Taguatinga Sul no início
dos anos 1970. Eles tinham uma turma grande de amigos, músicos amadores,
apreciadores de álcool e reacionários que se reuniam para ouvir música, beber,
dançar e sei lá o que mais. Em tais festas, que começavam sábado à tarde, e
imagino, deviam continuar até a manhã de domingo, eu tinha permissão de ficar
por ali até perto das 19:00h.
Foi naquelas "festas" que eu tive contato com músicos e bandas
que normalmente não tocavam no rádio da minha casa e nem estavam nos discos
compactos que meu irmão e minhas irmãs ouviam. Permanecem em minha memória
musical, Jefferson Airplane, The Kinks, Jimmi Hendrix, The Doors, Velvet
Underground, The Who, Manfred Mann... Todos eles, em algumas canções, mexiam comigo, me
davam uma sensação de estranheza que eu gostava. E eu ouvia pelo prazer de ouvir,
Paul Simon & Garfunkel, Mutantes, Chuck Berry, The Beatles (que eu achava
que não era Rock), Caetano Veloso e Gilberto Gil tropicalistas, Aretha
Franklin, Eddie Cochran, os discos compactos dos meus irmãos e quase tudo que
tocava à noite nas rádios AM Excelsior, Difusora e Mundial...
No quarto ano escolar, no Colégio de Taguatinga Sul, tínhamos a opção
extraclasse de estudar Artes Industriais ou Música. Optei por Música, com o
talentoso Maestro Edgar e com o Professor Jerusalém, o homem dos instrumentos
de corda. O Professor Jerusalém me fez aprender os acordes básicos e a tocar
uma dúzia de músicas no violão em menos de um mês! Já com o Maestro Edgar o
processo foi penoso. O objetivo dele era montar uma banda de palhetas, metais e
percussão.
Recebi para tocar um instrumento chamado Requinta, muito agudo,
feminino, com partituras cheias de trinados. Um mês soprando aquele instrumento
me tirou totalmente a vontade de tocar. O Maestro Edgar me passou para o
Clarinete, o irmão mais velho da Requinta. As partituras eram um pouco melhores
e, de vez em quando, em alguns trechos, as melodias até faziam sentido. Também
não me adaptei ao tal do Clarinete.
Pedi para tocar Sax Alto e fui atendido com a advertência de que a banda
seria remodelada para quartetos e eu seria o solista do meu Quarteto. Assim, eu
teria que estudar muito o instrumento, me esmerar, decorar partituras, etc...
Foi ótimo. Participei de um Encontro Nacional de Quartetos solando "Pomp
And Circunstance" de Edward Elgar, no Teatro Nacional de Brasília. Na apresentação, apesar de eu estar
totalmente inseguro e trêmulo diante da plateia e dos músicos de verdade ali
presentes, não fiz vexame. Mas não demorou muito para eu perder o tesão por
instrumentos de sopro. Instrumentos de sopro no Rock And Roll, quando
participam, aparecem em trechinhos e não fazem parte da "Tríade
Instrumental Sagrada do Rock": Bateria, Baixo e Guitarra.
Não me lembro extamente qual foi o primeiro show musical ou de Rock que
assisti. Lembro-me vagamente do Rock Cerrado-DF, em 1981, com Walter Franco,
Rita Lee, Raul Seixas, e etc. Gostei muito do Walter Franco gritando
"CANALHA!!!!!". Recordo-me de um show da então iniciante banda Barão
Vermelho, no Cine Drive-In de Brasília, em 1982. Foi num domingo à tarde com um
público de umas 20 pessoas: eu, dois amigos meus e mais uma dúzia e meia de
garotos e garotas. Show morninho, o segundo guitarrista estava gripado e com
febre. Ganhei a palheta do baixista Dé (André Cunha) de presente.
Entre 1980 e 1982, estive em dezenas de shows no DF e fora do DF. Eu assistia
qualquer show que fosse na tônica do Rock para comparar com que o eu estava
querendo fazer. Eu estava numa viagem musical diferente e estava aflito porque
o Punk Rock estava praticamente morto no Reino Unido e nos EUA. A "música
disco" (discotheque) tinha estragado a trilha sonora da minha vida nos
últimos anos e já estava surgindo uma música rotulada de "New Wave",
que para mim é subproduto da "Era Disco".
O fato de eu partir para o Baixo Elétrico, querer compor e tocar Rock,
deve-se ao disco "Bringing It All Back Home" de Bob Dylan, ao
guitarrista Mozart Carmo (hoje um luthier excelente) e ao baixista Nema Antunes
(atualmente um dos melhores do Brasil).
O citado disco do Bob Dylan, foi "purchased X-Mas 1965"
e enviado por "Ray Nitta, from Sacramento, California, to Hermenegildo,
nickname Bené" (conforme está escrito com caneta azul na contracapa).
O Bené, na época, era muito parecido fisicamente com Bob Dylan, era
tocador de violão, apreciador de álcool e grande amigo do meu irmão mais velho.
Eu já era "garotão" tocando violão nas rodas de amigos. Então, ele me
presenteou com o "Bringing It All Back Home" e disse: - "Você é um garoto muito
esperto. Só quem é esperto entende o Bob
(Dylan). Se você não entende, vai entender. Escuta esse disco, bicho. Chama uns
bichos aí e vamos montar um conjunto de Rock. Você faz as músicas e eu canto".
Umas duas semanas depois o Bené foi assassinado em Goiânia, durante uma
degustação intensiva de cachaça goiana.
Bem, depois de ouvir o disco
várias vezes, ler e saber mais sobre Dylan, tudo mudou na minha cabeça. Minhas
atitudes, meu comportamento, minhas preferências literárias, minha turma de
amigos, minha visão da vida, meus objetivos e minha lista de heróis se
alteraram para sempre.
O disco de Bob Dylan permanece quase que como no dia que eu o recebi de
presente, preservado no meu "Armário do Futuro". O "Armário do
Futuro" é o local onde guardo todos os registros, souvenirs, recortes,
gravações demos, rascunhos, cartões postais, anotações, lembranças de amigos,
autógrafos, ingressos de shows, filipetas, posters, fotos, recordações e
"que tais" relacionados com a minha convivência com o Rock.
Confesso que, apesar de eu gostar muito dos discos de Bob Dylan e da
"verve dylanesca", de ser um admirador apaixonado das canções que ele
compôs e ainda compõe, nunca compus nada parecido com estilo dele e nem tenho
identidade musical com tal estilo.
Quanto ao Mozart e ao Nema, eles ensaiavam um repertório pop-rock numa
casa na antiga Vila Matias de Taguatinga, todos os dias. Eu, pelo menos umas duas vezes por semana, ia
vê-los tocar. Lembro-me da recomendação do Mozart: - "Pode assistir,
mas não mexa em nada, tá bom?" O fato é que, num dos ensaios, eu
percebi, vendo o Mozart tocar que, para atingir aquele nível de conhecimento e
técnica na guitarra, eu teria que estudar direto uns bons anos. Isto me
desanimou de ser guitarrista: - "Quando eu puder tocar assim, já
estarei 'velho', como ele!" Por outro lado, vendo a tranquilidade do
Nema tocando o baixo, a ausência de solos mirabolantes e ouvindo o pulsar
grave, pensei: - "Tem mais a ver, é mais rápido de aprender e não tem
pedais de efeitos para ficar acionando e desacionando o tempo todo."
Decidi então montar minha própria banda, com minhas próprias músicas e tocar o
baixo elétrico.
Clones de Ludwig - https://www.youtube.com/watch? v=EmzjZLhoxqc
Montei a minha primeira banda com instrumentos baratos, de segunda mão,
e ensaiávamos no quintal da minha casa na SHIS Sul de Taguatinga. Compus seis
músicas para começar e nos chamávamos "Urbanossaurus": Cássio Moreira
nos vocais, dois "joãozinhos" (um João na guitarra, outro João na
bateria) e eu no baixo. Rendeu uns oito shows e a banda acabou quando um outro
guitarrista entrou na banda para substituir o Joãozinho da guitarra, que havia
abandonado o projeto. O novo guitarrista era, e é, um excelente músico, mas
também era um grande apreciador de bebidas alcóolicas e, bêbado, estragou um
show do “Urbanossaurus” na Praça do DI. Todo mundo brigou com todo mundo e fim.
A seguir, depois de tocar aqui e ali em bandas alheias, montei o
"Monavox & O PBX", influenciado por uma bela cantora, a qual veio
a ser minha namorada e continuou comigo por mais de um ano depois do fim da
banda. Gravamos demo-tapes no Estúdio Bemol-BH (era o estúdio da moda para nós
do DF), tocamos bastante em feiras de música, Teatro Galpão, auditórios de
escolas, semanas de arte e cultura, e o ápice e fim da banda foi no Rock In
Prima, no extinto Clube Primavera. Lá estavam as bandas brasileiras daquele
momento: Magazine, Eletrodomésticos, Absintho, Degradée... entre outras que não
me lembro os nomes. Eu pedi para sair da banda porque eu percebi que estava
numa banda tipo as que citei acima... e eu estava compondo e tocando New
Wave!!!
Meses depois, convidei o guitarrista Ney Robson para tocar comigo num projeto
onde teríamos boas canções, bons arranjos e teríamos a melhor atitude Rock And
Roll possível. Surgiu então o grupo "Clones de Ludwig" (o Ludwig
pronuncia-se "ludvig", assim como Krafwerk pronuncia-se
"krêftverk"), que durou um tempo impreciso na minha memória.
Ensaiávamos no nosso estúdio na chamada "Rua da Alegria" e cedíamos o
espaço para a outra banda do Ney Robson, a "Terceira Divisão", que
fazia um "Mod Rock" bem cru e sonoro, muito verdadeiro. Naquela área,
conhecíamos e éramos protegidos por cafetões, prostitutas e traficantes e as
noites eram excelentes.
Durante este período houve a fusão da banda "Terceira Divisão"
com o "Clones de Ludwig". Além de herdar o repertório da
"Terceira Divisão", entrou para os vocais do "Clones de
Ludwig", Getúlio Dutra, substituindo o vocalista Rogério Lima, que optou
por cantar numa igreja evangélica e continua lá até hoje, seguindo sua fé e
cantando cada vez melhor. Na formação final, além de mim, Ney Robson e Getúlio
Dutra, tínhamos Edmilson Silva, o Eddy Batera, hoje considerado o grande
baterista do DF. O primeiro ano da banda foi muito prazeiroso para minha vida musical.
Num projeto paralelo ao "Clones de Ludwig", fui guitarrista e
compus umas cinco músicas para os "Sobrinhos de Capone", dos meus
amigos Chico Capone, Ronaldo Capone, Eli do Bomfim e Flávio Roberto Guimarães.
Nesta banda estava realmente vigente o "do-it-yourself", já que
nenhum deles sabia tocar instrumento algum, mas o som saía. Toquei em palco
umas três vezes com a banda e gravei uma demo com eles, eu arranhando a
guitarra e fazendo a linha do baixo.
O "Clones de Ludwig" ia bem. Tocamos bastante, fizemos
programas de TV, ótimas gravações e ótimos shows, viajamos para tocar em BH, em
SP, em cidades do interior de MG e GO, compomos muitas músicas que nem chegamos
a apresentar. Mantenho este repertório inédito guardado com muito respeito.
Depois de certo tempo juntos, veio o desgaste da convivência sem perspectiva.
Tínhamos uma imensa dificuldade em lidar com os tais empresários musicais e com
a pressão do Sr. Ruy Mello, ex-"executivo" da extinta Polygram, para que fizéssemos
músicas no estilo de um tal "Rock Brasília"... Todo mundo cansou de
todo mundo e a banda debandou.
Depois do "Clones de Ludwig", fiquei muito tempo sem tocar e
nem compor. Então veio o convite do Marco A. (Marco Silva, também Marco Brô),
baterista de diversas bandas, como Espaçonave Guerrilha, 5 Generais - parceiro
fundador do famoso Teatro Rolla Pedra, junto como o Fernandez Dias - para
montarmos, juntos com o Erivelton Grillo (guitarra e vocais) um projeto
musical. Este projeto era a banda "Os Diklebs". Tocaríamos rocks
brasileiros do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, versões em
português, iê-iê-iês, jovem guarda e afins.
Tudo fluiu muito rápido e bacana, graças ao espírito de equipe que se
instalou, à desenvoltura e boa vontade do Marco Brô e à disposição infinita do
Erivelton Grillo. Em poucas semanas já estávamos com nosso próprio estúdio de
ensaio, tocando por todos os lados do DF e viajando para outras cidades, numa
agenda média de três shows semanais. Para mim era o máximo estar sempre
tocando. Acabamos tendo a participação também do meu amigo guitarrista Ney
Robson, que só veio a somar para o nosso som ficar mais dançante e divertido.
Era bom tocar aquelas músicas, estar com o Marco, o Grillo e o Ney Robson, não
ter a preocupação de resolver tudo sozinho, sentir que estávamos sintonizado
enquanto banda e equipe de trabalho.
Depois de uns meses, me senti um peixe fora d'água tocando nos Diklebs.
Tive uma "recaída de músico de Rock autoral", acompanhada de uma
recaída alcóolica. Me alcoolizava sempre que podia, fiz um show sob efeito de
litros de álcool e noutro só consegui tocar sentado. E eu pensava: - "Não
estou mostrando o meu melhor, nem enquanto músico, nem enquanto pessoa. Não
estou me sentindo bem tocando essas músicas. Talvez eu devesse compor umas
músicas para a banda, propor uma outra direção", etc... Acabou que eu
pedi para sair da banda. Deixei como herança duas músicas ("Just One
Night" e "Fim de Semana") registradas no unico disco compacto
gravado pelos Diklebs: "Os Diklebs Na Onda Beat".
Tempos depois comecei a tocar numa banda, "M'Jokin'", e a
compor junto com o Jefferson Mota, um excelente compositor, inspirado, melódico
e cheio de verve. Tínhamos uma casa alugada, com um estúdio disponível 24 horas
por dia. Lá a gente encontrava, entre outros músicos bacanas de Taguatinga,
Dillo Daraújo - na época era Dillo & Crocodilo Gang - e sempre tinha alguém
fazendo um som por lá. Nesta época foram geradas as canções que estão no EP da
banda "Elf Fire", que contem algumas coisas que eu escrevi.
De três anos para cá, não tenho me arvorado a tocar em bandas. Meu baixo
não está empoeirado e nem com teias de aranha, mas... Depois de muito estudar
produções audiovisuais, estou muito ligado em produção cinematográfica.
Atualmente estou dirigindo e criando, junto com o Felix Amorim - ex-"5
Generais" e atual "Stoner Babe" - um filme com o nome provisório
de "Stoner Babe: Rock, Estrada e Aventuras".
Durante uns dois anos estive contribuindo seriamente, de todas as formas
que eu podia, para a banda "Blood Chip". "Blood Chip" é uma
banda que eu acredito no som de Rock And Roll que ela produz e na qualidade das
canções do amigo Barão (vocalista/compositor). Continuo apoiando "Blood
Chip", mas de maneira informal, e estou finalizando o videoclipe da banda
para a canção "Deep Down Blues", vencedora do Festival Caça Bandas
2011/2012, do produtor Gustavo Vasconcelos - GRV.
Ouço sempre o termo de auto-sugestão, neurolinguístico e de
auto-ajuda: "Brasília é a capital do Rock". A frase é como um mantra, um bordão para se
repetir até que se convença que isto é aquilo. Ouvi dizer que "as
pessoas vêem o que elas querem ver". Sempre tive um distanciamento
respeitoso daquilo que um dia foi chamado "oficialmente" de
"Rock Brasília", e de suas
"bandas da Colina" na metade dos anos 1980. Não curti, não curto, mas
não faço campanha contra.
Atualmente, temos em Brasília, e no DF, mais banda de covers e
duplas sertanejas do que qualquer outro tipo de atividade musical. Na verdade,
o Rock não é um estilo de muita aderência a muitos músicos brasileiros, já que
ele, o Rock And Roll, é genuinamente uma música estadunidense, aperfeiçoada
pelos ingleses. Poucos de nós, e apenas aqueles que sofreram "a lavagem
cerebral do Rock", desde a mais tenra idade, tem a capacidade de tocar e
compor Rock And Roll de fato. Pois bem, para encurtar o texto: - Assim sendo,
Brasília não é a capital do Rock. Talvez a capital do Rock seja em Londres ou
em Los Angeles.