segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ted Amorim – Músico, Compositor e Cineasta.


“EU GOSTO DE ROCK. E POUCA COISA MAIS!”
Pelo que eu estou ciente, meus primeiros anos de vida foi num lugar chamado Parque Industrial Mignone, a uns 35, 40 minutos de ônibus da capital Brasília. Neste parque industrial, morávamos nas amplas instalações de uma fábrica de ladrilhos falida - com área administrativa e galpão de produção numa mesma construção - que meu pai transformou em residência. O amplo terreno da fábrica virou área de hortaliças e criadouro de galinhas e porcos. Moramos lá por um uns cinco anos, acho eu, pois meu primeiro ano escolar foi em Taguatinga-DF, na Escola Classe Nº. 10.
As lembranças musicais mais antigas que tenho vêm das "festas" semanais que meus três primos, jovens então, faziam em Taguatinga Sul no início dos anos 1970. Eles tinham uma turma grande de amigos, músicos amadores, apreciadores de álcool e reacionários que se reuniam para ouvir música, beber, dançar e sei lá o que mais. Em tais festas, que começavam sábado à tarde, e imagino, deviam continuar até a manhã de domingo, eu tinha permissão de ficar por ali até perto das 19:00h.
Foi naquelas "festas" que eu tive contato com músicos e bandas que normalmente não tocavam no rádio da minha casa e nem estavam nos discos compactos que meu irmão e minhas irmãs ouviam. Permanecem em minha memória musical, Jefferson Airplane, The Kinks, Jimmi Hendrix, The Doors, Velvet Underground, The Who, Manfred Mann... Todos eles, em algumas canções, mexiam comigo, me davam uma sensação de estranheza que eu gostava. E eu ouvia pelo prazer de ouvir, Paul Simon & Garfunkel, Mutantes, Chuck Berry, The Beatles (que eu achava que não era Rock), Caetano Veloso e Gilberto Gil tropicalistas, Aretha Franklin, Eddie Cochran, os discos compactos dos meus irmãos e quase tudo que tocava à noite nas rádios AM Excelsior, Difusora e Mundial...
No quarto ano escolar, no Colégio de Taguatinga Sul, tínhamos a opção extraclasse de estudar Artes Industriais ou Música. Optei por Música, com o talentoso Maestro Edgar e com o Professor Jerusalém, o homem dos instrumentos de corda. O Professor Jerusalém me fez aprender os acordes básicos e a tocar uma dúzia de músicas no violão em menos de um mês! Já com o Maestro Edgar o processo foi penoso. O objetivo dele era montar uma banda de palhetas, metais e percussão.
Recebi para tocar um instrumento chamado Requinta, muito agudo, feminino, com partituras cheias de trinados. Um mês soprando aquele instrumento me tirou totalmente a vontade de tocar. O Maestro Edgar me passou para o Clarinete, o irmão mais velho da Requinta. As partituras eram um pouco melhores e, de vez em quando, em alguns trechos, as melodias até faziam sentido. Também não me adaptei ao tal do Clarinete.
Pedi para tocar Sax Alto e fui atendido com a advertência de que a banda seria remodelada para quartetos e eu seria o solista do meu Quarteto. Assim, eu teria que estudar muito o instrumento, me esmerar, decorar partituras, etc... Foi ótimo. Participei de um Encontro Nacional de Quartetos solando "Pomp And Circunstance" de Edward Elgar, no Teatro Nacional de Brasília.  Na apresentação, apesar de eu estar totalmente inseguro e trêmulo diante da plateia e dos músicos de verdade ali presentes, não fiz vexame. Mas não demorou muito para eu perder o tesão por instrumentos de sopro. Instrumentos de sopro no Rock And Roll, quando participam, aparecem em trechinhos e não fazem parte da "Tríade Instrumental Sagrada do Rock": Bateria, Baixo e Guitarra.
Não me lembro extamente qual foi o primeiro show musical ou de Rock que assisti. Lembro-me vagamente do Rock Cerrado-DF, em 1981, com Walter Franco, Rita Lee, Raul Seixas, e etc. Gostei muito do Walter Franco gritando "CANALHA!!!!!". Recordo-me de um show da então iniciante banda Barão Vermelho, no Cine Drive-In de Brasília, em 1982. Foi num domingo à tarde com um público de umas 20 pessoas: eu, dois amigos meus e mais uma dúzia e meia de garotos e garotas. Show morninho, o segundo guitarrista estava gripado e com febre. Ganhei a palheta do baixista Dé (André Cunha) de presente.
Entre 1980 e 1982, estive em dezenas de shows no DF e fora do DF. Eu assistia qualquer show que fosse na tônica do Rock para comparar com que o eu estava querendo fazer. Eu estava numa viagem musical diferente e estava aflito porque o Punk Rock estava praticamente morto no Reino Unido e nos EUA. A "música disco" (discotheque) tinha estragado a trilha sonora da minha vida nos últimos anos e já estava surgindo uma música rotulada de "New Wave", que para mim é subproduto da "Era Disco".
O fato de eu partir para o Baixo Elétrico, querer compor e tocar Rock, deve-se ao disco "Bringing It All Back Home" de Bob Dylan, ao guitarrista Mozart Carmo (hoje um luthier excelente) e ao baixista Nema Antunes (atualmente um dos melhores do Brasil).  O citado disco do Bob Dylan, foi "purchased X-Mas 1965" e enviado por "Ray Nitta, from Sacramento, California, to Hermenegildo, nickname Bené" (conforme está escrito com caneta azul na contracapa).
O Bené, na época, era muito parecido fisicamente com Bob Dylan, era tocador de violão, apreciador de álcool e grande amigo do meu irmão mais velho. Eu já era "garotão" tocando violão nas rodas de amigos. Então, ele me presenteou com o "Bringing It All Back Home" e  disse: - "Você é um garoto muito esperto. Só quem é esperto  entende o Bob (Dylan). Se você não entende, vai entender. Escuta esse disco, bicho. Chama uns bichos aí e vamos montar um conjunto de Rock. Você faz as músicas e eu canto". Umas duas semanas depois o Bené foi assassinado em Goiânia, durante uma degustação intensiva de cachaça goiana.
Bem, depois de  ouvir o disco várias vezes, ler e saber mais sobre Dylan, tudo mudou na minha cabeça. Minhas atitudes, meu comportamento, minhas preferências literárias, minha turma de amigos, minha visão da vida, meus objetivos e minha lista de heróis se alteraram para sempre.
O disco de Bob Dylan permanece quase que como no dia que eu o recebi de presente, preservado no meu "Armário do Futuro". O "Armário do Futuro" é o local onde guardo todos os registros, souvenirs, recortes, gravações demos, rascunhos, cartões postais, anotações, lembranças de amigos, autógrafos, ingressos de shows, filipetas, posters, fotos, recordações e "que tais" relacionados com a minha convivência com o Rock.
Confesso que, apesar de eu gostar muito dos discos de Bob Dylan e da "verve dylanesca", de ser um admirador apaixonado das canções que ele compôs e ainda compõe, nunca compus nada parecido com estilo dele e nem tenho identidade musical com tal estilo.
Quanto ao Mozart e ao Nema, eles ensaiavam um repertório pop-rock numa casa na antiga Vila Matias de Taguatinga, todos os dias. Eu,  pelo menos umas duas vezes por semana, ia vê-los tocar. Lembro-me da recomendação do Mozart: - "Pode assistir, mas não mexa em nada, tá bom?" O fato é que, num dos ensaios, eu percebi, vendo o Mozart tocar que, para atingir aquele nível de conhecimento e técnica na guitarra, eu teria que estudar direto uns bons anos. Isto me desanimou de ser guitarrista: - "Quando eu puder tocar assim, já estarei 'velho', como ele!" Por outro lado, vendo a tranquilidade do Nema tocando o baixo, a ausência de solos mirabolantes e ouvindo o pulsar grave, pensei: - "Tem mais a ver, é mais rápido de aprender e não tem pedais de efeitos para ficar acionando e desacionando o tempo todo." Decidi então montar minha própria banda, com minhas próprias músicas e tocar o baixo elétrico.

Montei a minha primeira banda com instrumentos baratos, de segunda mão, e ensaiávamos no quintal da minha casa na SHIS Sul de Taguatinga. Compus seis músicas para começar e nos chamávamos "Urbanossaurus": Cássio Moreira nos vocais, dois "joãozinhos" (um João na guitarra, outro João na bateria) e eu no baixo. Rendeu uns oito shows e a banda acabou quando um outro guitarrista entrou na banda para substituir o Joãozinho da guitarra, que havia abandonado o projeto. O novo guitarrista era, e é, um excelente músico, mas também era um grande apreciador de bebidas alcóolicas e, bêbado, estragou um show do “Urbanossaurus” na Praça do DI. Todo mundo brigou com todo mundo e fim.
A seguir, depois de tocar aqui e ali em bandas alheias, montei o "Monavox & O PBX", influenciado por uma bela cantora, a qual veio a ser minha namorada e continuou comigo por mais de um ano depois do fim da banda. Gravamos demo-tapes no Estúdio Bemol-BH (era o estúdio da moda para nós do DF), tocamos bastante em feiras de música, Teatro Galpão, auditórios de escolas, semanas de arte e cultura, e o ápice e fim da banda foi no Rock In Prima, no extinto Clube Primavera. Lá estavam as bandas brasileiras daquele momento: Magazine, Eletrodomésticos, Absintho, Degradée... entre outras que não me lembro os nomes. Eu pedi para sair da banda porque eu percebi que estava numa banda tipo as que citei acima... e eu estava compondo e tocando New Wave!!!
Meses depois, convidei o guitarrista Ney Robson para tocar comigo num projeto onde teríamos boas canções, bons arranjos e teríamos a melhor atitude Rock And Roll possível. Surgiu então o grupo "Clones de Ludwig" (o Ludwig pronuncia-se "ludvig", assim como Krafwerk pronuncia-se "krêftverk"), que durou um tempo impreciso na minha memória. Ensaiávamos no nosso estúdio na chamada "Rua da Alegria" e cedíamos o espaço para a outra banda do Ney Robson, a "Terceira Divisão", que fazia um "Mod Rock" bem cru e sonoro, muito verdadeiro. Naquela área, conhecíamos e éramos protegidos por cafetões, prostitutas e traficantes e as noites eram excelentes.
Durante este período houve a fusão da banda "Terceira Divisão" com o "Clones de Ludwig". Além de herdar o repertório da "Terceira Divisão", entrou para os vocais do "Clones de Ludwig", Getúlio Dutra, substituindo o vocalista Rogério Lima, que optou por cantar numa igreja evangélica e continua lá até hoje, seguindo sua fé e cantando cada vez melhor. Na formação final, além de mim, Ney Robson e Getúlio Dutra, tínhamos Edmilson Silva, o Eddy Batera, hoje considerado o grande baterista do DF. O primeiro ano da banda foi muito prazeiroso para  minha vida musical.
Num projeto paralelo ao "Clones de Ludwig", fui guitarrista e compus umas cinco músicas para os "Sobrinhos de Capone", dos meus amigos Chico Capone, Ronaldo Capone, Eli do Bomfim e Flávio Roberto Guimarães. Nesta banda estava realmente vigente o "do-it-yourself", já que nenhum deles sabia tocar instrumento algum, mas o som saía. Toquei em palco umas três vezes com a banda e gravei uma demo com eles, eu arranhando a guitarra e fazendo a linha do baixo.
O "Clones de Ludwig" ia bem. Tocamos bastante, fizemos programas de TV, ótimas gravações e ótimos shows, viajamos para tocar em BH, em SP, em cidades do interior de MG e GO, compomos muitas músicas que nem chegamos a apresentar. Mantenho este repertório inédito guardado com muito respeito. Depois de certo tempo juntos, veio o desgaste da convivência sem perspectiva. Tínhamos uma imensa dificuldade em lidar com os tais empresários musicais e com a pressão do Sr. Ruy Mello, ex-"executivo"  da extinta Polygram, para que fizéssemos músicas no estilo de um tal "Rock Brasília"... Todo mundo cansou de todo mundo e a banda debandou.
   Os Diklebs

Depois do "Clones de Ludwig", fiquei muito tempo sem tocar e nem compor. Então veio o convite do Marco A. (Marco Silva, também Marco Brô), baterista de diversas bandas, como Espaçonave Guerrilha, 5 Generais - parceiro fundador do famoso Teatro Rolla Pedra, junto como o Fernandez Dias - para montarmos, juntos com o Erivelton Grillo (guitarra e vocais) um projeto musical. Este projeto era a banda "Os Diklebs". Tocaríamos rocks brasileiros do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, versões em português, iê-iê-iês, jovem guarda e afins.
Tudo fluiu muito rápido e bacana, graças ao espírito de equipe que se instalou, à desenvoltura e boa vontade do Marco Brô e à disposição infinita do Erivelton Grillo. Em poucas semanas já estávamos com nosso próprio estúdio de ensaio, tocando por todos os lados do DF e viajando para outras cidades, numa agenda média de três shows semanais. Para mim era o máximo estar sempre tocando. Acabamos tendo a participação também do meu amigo guitarrista Ney Robson, que só veio a somar para o nosso som ficar mais dançante e divertido. Era bom tocar aquelas músicas, estar com o Marco, o Grillo e o Ney Robson, não ter a preocupação de resolver tudo sozinho, sentir que estávamos sintonizado enquanto banda e equipe de trabalho.

Depois de uns meses, me senti um peixe fora d'água tocando nos Diklebs. Tive uma "recaída de músico de Rock autoral", acompanhada de uma recaída alcóolica. Me alcoolizava sempre que podia, fiz um show sob efeito de litros de álcool e noutro só consegui tocar sentado. E eu pensava: - "Não estou mostrando o meu melhor, nem enquanto músico, nem enquanto pessoa. Não estou me sentindo bem tocando essas músicas. Talvez eu devesse compor umas músicas para a banda, propor uma outra direção", etc... Acabou que eu pedi para sair da banda. Deixei como herança duas músicas ("Just One Night" e "Fim de Semana") registradas no unico disco compacto gravado pelos Diklebs: "Os Diklebs Na Onda Beat".
Tempos depois comecei a tocar numa banda, "M'Jokin'", e a compor junto com o Jefferson Mota, um excelente compositor, inspirado, melódico e cheio de verve. Tínhamos uma casa alugada, com um estúdio disponível 24 horas por dia. Lá a gente encontrava, entre outros músicos bacanas de Taguatinga, Dillo Daraújo - na época era Dillo & Crocodilo Gang - e sempre tinha alguém fazendo um som por lá. Nesta época foram geradas as canções que estão no EP da banda "Elf Fire", que contem algumas coisas que eu escrevi.
De três anos para cá, não tenho me arvorado a tocar em bandas. Meu baixo não está empoeirado e nem com teias de aranha, mas... Depois de muito estudar produções audiovisuais, estou muito ligado em produção cinematográfica. Atualmente estou dirigindo e criando, junto com o Felix Amorim - ex-"5 Generais" e atual "Stoner Babe" - um filme com o nome provisório de "Stoner Babe: Rock, Estrada e Aventuras".
Durante uns dois anos estive contribuindo seriamente, de todas as formas que eu podia, para a banda "Blood Chip". "Blood Chip" é uma banda que eu acredito no som de Rock And Roll que ela produz e na qualidade das canções do amigo Barão (vocalista/compositor). Continuo apoiando "Blood Chip", mas de maneira informal, e estou finalizando o videoclipe da banda para a canção "Deep Down Blues", vencedora do Festival Caça Bandas 2011/2012, do produtor Gustavo Vasconcelos - GRV.
Ouço sempre o termo de auto-sugestão, neurolinguístico e de auto-ajuda: "Brasília é a capital do Rock". A  frase é como um mantra, um bordão para se repetir até que se convença que isto é aquilo. Ouvi dizer que "as pessoas vêem o que elas querem ver". Sempre tive um distanciamento respeitoso daquilo que um dia foi chamado "oficialmente" de "Rock Brasília",  e de suas "bandas da Colina" na metade dos anos 1980. Não curti, não curto, mas não faço campanha contra.
Atualmente, temos em Brasília, e no DF, mais banda de covers e duplas sertanejas do que qualquer outro tipo de atividade musical. Na verdade, o Rock não é um estilo de muita aderência a muitos músicos brasileiros, já que ele, o Rock And Roll, é genuinamente uma música estadunidense, aperfeiçoada pelos ingleses. Poucos de nós, e apenas aqueles que sofreram "a lavagem cerebral do Rock", desde a mais tenra idade, tem a capacidade de tocar e compor Rock And Roll de fato. Pois bem, para encurtar o texto: - Assim sendo, Brasília não é a capital do Rock. Talvez a capital do Rock seja em Londres ou em Los Angeles.

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